quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Atena

Quisera eu poder fugir de mim
Interceptar cada pensamento vão
Antes que a ira de Poseidon caísse sobre vós
Antes que os dedos tísicos fervilhassem
Ao desejo de ir de encontro à sua face

Quisera eu ser um pouco mais ternura
Possuir o poder de evitar o inevitável
De vista turva, curar o incurável
Coser os buracos da armadura
Do pecado não querer julgar

Nunca tive essa pretensão tamanha
De uma balança carregar em meu peito
Faço questão de devolver, deleite
Esse pedaço quase inteiro meu
Junto das rodas, das asas, dos passos..
Tudo que me traga essa lembrança estranha
De ser livre/leve sem realmente (o) ser.

Dois pesos, duas medidas
Do fundo ao raso
De tanto equilíbrio
Lugar algum.

Malassombro

Dormia quando ouvi um sussurro
Laralará alguém doutro lado cantou
Apertando as contas com toda força
Colocaram ali à prova toda minha fé
Fechando os olhos novamente
Indo contra toda a gente 
Que diz não acreditar

Duas pancadas na porta
Eu que não sou doida de espiar
A curiosidade matou o gato
A loba, a onça, a jaguatirica
E lá estava eu de ponta de pé
Agarrada ao travesseiro
Me pelando de medo
Quem será que está ali?
Do outro lado da porta havia ninguém
Todos dormiam, era cinco da manhã
Eu tinha alguns minutos de descanso
Vá perturbar outro, disse eu raivosa
Seja lá Deus quem for
Logo mais cedo perguntei a todos
Ninguém sequer saiu de seu quarto
Com minha coragem me pus a rezar
No ônibus rumo à labuta diária
Fui pensando na graça que é
O medo nos faz ter fé
Foi quando ouvi de longe meu nome
Quase cantado por voz desconhecida 
Ao perceber a rima, grande engano
Era o vento em seu improviso constante
O medo logo me fez sorrir.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Seção

Há uma parte de mim enriquecida pelos gestos singelos de teu amor 
Um desejo fugaz embriagado pelas tropas desconhecidas do amanhã 
Tão somente craqueado que o sopro no deserto faz chover 
Quem dera eu fosse um pedaço de linho qualquer 
Não faria sentido tantas madrugadas em claro 
Solicitude 
Saudade 
Servidão 
Não ouso pertencer a lugar algum 
Tampouco me debruçar em pedidos acalentadores ao acaso 
Mas sinto-me prisioneira dos ponteiros estilhaçados contra a parede 
Números metamorfoseados em pó 
Poeira que não finda 
Traz a tona uma tempestade que não destrói 
Mas fortalece os laços do que uma dia foi parte 
Hoje, um todo.

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Quando não está claro

Acho que tenho medo do escuro,
Uma suposição, talvez...
A dúvida me faz crer na constatação
Mas afirmar o que pouco provei
Não me parece satisfatório.

Não durmo de luzes acesas,
Tampouco uso tapa olhos
Mas conheço cada canto de minha casa,
Posso sair às carreiras de olhos fechados,
E garanto nunca cair.
Muito mais provável
Tropeços à luz do dia.

Eu tenho medo do abismo desconhecido,
Se lá eu já tivesse ido,
Tenho certeza,
Saberia onde encontrar um atalho.
Não o caminho mais curto
Mas o menos doloroso;
Saberia sentir o vento no rosto
Sem receio do que possa vir.

Não quero que me digam o que há depois do fim,
Muito menos que me entreguem alguns rabiscos cartográficos.
Eu quero seguir com minhas próprias asas,
E se encontrasse o bicho papão,
Não me custaria cativá-lo,
Quem sabe não me abrigaria no chão...
Um amigo poderia ser uma luz no fim do túnel
Ou o começo do fim.

Realmente, eu me sinto inseguro
Porém, se alguém me espera
Eu chego lá.

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Apenas mais um fevereiro

Hoje, levanto da cama com o sol nas alturas e não ouço seus passos pelo corredor; 
Na cozinha, aquela xícara de café já não é a mesma;
Minha sala, de tanto estar, tornou-se solitária;
Ah, aquela cadeira!
Vejo o tempo passar, as tantas mudanças se aproximam e lá está nossa velha cadeira, onde teus sonhos dourados sempre me embalou.
Hoje, de especial só me restaram os retratos de um riso que quase não me lembro, não ouço mais; 
Era o dia da esperança pela longevidade
Cujo presente me pertencia, pelo simples fato de ser e estar aqui.
Presente que não embrulhei, tampouco passei para tuas mãos, mas o laço sempre se fez beleza em nós.
Hoje, era um momento de festa, de bolo, velas e gratidão; 
Mas, de real, eu tenho um peito cheio de cor e uma casa vazia. 
O café está frio, até o açúcar acabou e em cada cômodo da casa uma lembrança.
Aqui jaz um pedaço de mim inteira.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

A flor e o jardineiro



Cada pedaço de mim
É capaz de tornar-se pétala
Para que tuas mãos me (a)colham
E me levem ao lugar mais alto

À beira do precipício
Que não tem fim
Tampouco chão

Quero sentir a queda
Ir de encontro às pedras
Cruzar o azul infinito
E ainda assim
Contrários
Que tenhamos o vento a nosso favor

Às vezes somos amarrados
Pelos meados fios das horas
Ou dilacerados pela mesma linha

Um dia colorido pelo raiar do sol
Outro entristecido por tanta chuva
Do inverso também há

E lá se vão nossos quereres
Que em algum jardim se encontram
E tornam a exalar odor

A dor do espinho
Em tuas mãos calejadas
Nada mais revelam
Que um amor aveludado

Pois em meio à queda
Nos a(m)paramos um no outro
E o sentir-se junto
Já não era tão pesado
Metamorfoseou-se em vida
Trouxe a todos o sentido

Tu já não eras o mesmo homem
E eu deixei de ser uma simples flor

Aqui solidificamo-nos