terça-feira, 4 de abril de 2017

Um sonho

Uma hora dessas eu deveria estar lendo, relendo, escrevendo, pensando e agindo como uma boa estudante que sou, ou deveria ser. Mas, conjunção que sempre me atormenta, estou profundamente atordoada. Não sei onde foi parar minha concentração, e o que dança em minha mente são as imagens do sonho da noite passada. Fortes. Confusas. Significativas. E eu nem sei se devo contar, poderia ser mais um desses filmes de “tela quente”, mas são pesadelos reais.
As vezes penso que esses sonhos traduzem o que sinto. Ao invés de uma noite mal dormida, ganhei de presente uma noite toda fazendo papel de mocinha que, num misto de coragem e medo, faz o que pode e acha certo. Não sei se esses sonhos querem me dizer algo, não se se é tudo fruto de meu inconsciente ou se meu coração bateu um tantinho demais quando segurei o pranto, não sei.
Sonhos recorrentes. Dessa vez aparentemente diferente, mas com o mesmo significado de luta, que quase ninguém vê. Era eu quem tinha o poder, era eu quem tinha as possibilidades, a astucia, vontade, a coragem. Mas também era eu quem se sentia fraca, era eu quem estava perdida e com muito medo no olhar.Dessa vez não tinha fogo, o que me queimava por dentro era a angústia da água invadir. Havia gente que eu não sabia quem era. Todos apavorados, inclusive eu. Subia, descia. Corria de um lado para o outro, com a sensação de que salvar a mim mesma nada tinha de salvação. Passaria a vida inteira pensando na diferença que eu poderia ter feito, mesmo que custasse a minha própria vida. Eu deveria estar lá.
E fiquei. Num prédio de não sei quantos andares, eu fui. Subi preocupada com a descida, talvez não fosse o elevador a me trazer de volta. Não sabia se estaria sozinha ao retornar, ou se retornaria. Não sabia quem encontraria, ou se encontraria. Não sabia de nada, mas deveria estar lá. Quem disse eu já não sei mais, aquilo gritava dentro de mim.
Pela primeira vez em muitos sonhos, eu tive medo. E ali pensava, onde estava a coragem que sempre me acompanhava. Eu me sentia inútil como quem cruza os braços e espera a água passar, como quem se dá por vencido e fecha os olhos pra não ver, como quem só enxerga a sua vida pra viver. Eu me sentia fraca, tão humana. Quem dera eu tivesse superpoder. Mas eu estava ali.
Eu não sabia pra onde ir e tão atordoada eu só queria tirar todos daquele lugar. E o tempo até que não foi cruel comigo, me deixou ficar, me deu tempo de estar, de fazer e de ir. Mesmo com tudo cronometrado, mesmo com todo o cansaço, tudo parecia em câmera lenta. Eu estava lá, buscando coragem e folego pra não me ver afogada. Porque sim, eu era personagem e expectador daquelas cenas. Chorava por dentro e era engolida por fora, até encontrar o que eu tanto procurava: sorrisos e alívios além dos meus. Acordei.

segunda-feira, 20 de março de 2017

Olhando pra si

“Quando achar que é um dia difícil se lembre de olhar pra você" dizia aquela música que ouvi repetidas vezes, mas quis o destino que eu a esquecesse e talvez nem entendesse o que ela dizia. Ouvia pra relaxar. Era bom o sentimento, mas não me dizia muito.           
Hoje, relendo uma matéria de jornal de ontem, lembrei-me dela e tudo fazia sentido. O texto falava sobre o outono que, não por coincidência, começa hoje, segundo o calendário de não-sei-quem. E dizia mais, essa estação traz consigo uma mudança nos ares. Fim e início de um ciclo que perdurará por muito anos. E nesse novo momento, a pedida é que mudemos. Mudança? Mudemos o que? Mudar por que? Segundo a matéria, com pitadas de astrologia, é chegado o momento de por tudo às claras e lembrar de agradecer…
Não por isso. Foi apenas uma lembrança de uma​ memória que não é lá essas coisas, mas que quando funciona não me deixa sossegada enquanto eu não solidificar de alguma forma. E a música me fez olhar pra traz e ver até onde cheguei. Hoje não foi um dia difícil, já tive muitas pedras e pesos em meu caminho, e nunca é tarde pra agradecer.
Olhar pra si mesmo significa se perceber de duas maneiras: quem eu sou e o que eu fiz. Perguntas difíceis e dolorosas. Sempre tive dificuldade em escrever aquela tradicional redação pedida em início de ano na escola, nunca soube ao certo quem era eu e via naquilo um tormento que só crescia quando pensava no que me tornaria depois. O futuro e o tempo pareciam livros a mais em minha mochila. Bonitos quando se deixava a imaginação fluir, dolorosos enquanto concretos junto dos demais pesando em mim.
Mas voltando à proposta de olhar pra si, hoje, saber quem sou eu e o que fiz traz um sorriso, que como disse o poeta nas entrelinhas traria leveza à dificuldade do meu dia, ou quantos mais pudessem ser.
Colocar em palavras quem eu sou não me parece uma boa ideia, prefiro me ver como o abstrato que só a poesia revela, pra não ter de dizer que não sei. O que eu fiz, de concreto, me parece muito. E eu posso não citar nenhuma dessas solidificações, mas foram grandes o suficiente pra eu erguer a cabeça e dizer que continuei o que alguém, um dia, começou ou sonhou comigo. 
Na escola, naquela época das redações, eu fazia planos e, hoje, muitos deles estão aqui em minhas mãos, como um retrato na parede ou uma postagem no Instagram. É engraçado essa necessidade que temos de registrar e mais ainda de mostrar, mas pelo menos servem pra que nos lembremos e que num momento como esse saibamos ser gratos, sorríamos e pensemos na mudança, porque tudo que um dia foi sonho pode ser real. Tudo que um dia foi luta pode ser conquista. Tudo que um dia foi lágrima pode ser sorriso. O que, um dia, foi difícil pode ser leve. (E eu volto agora a ouvir a música inicial, com um sorriso no rosto e a gratidão no coração).